sábado, 20 de outubro de 2018

DEMOCRACIA E ELEIÇÕES - Parte 5


A face ditatorial dessa democracia



por Riviano e José Barata
as opiniões deste texto são de responsabilidade dos autores
Leia as partes 01, 02, 03 e 04



Nos últimos tempos, pipocou uma quantidade imensa de comentários na internet a respeito da contradição do “pobre que vota em candidato de direita”. Os autores desses comentários se espantam com tamanha “burrice” das populações de baixa renda. Indignam-se com crescente simpatia destes grupos com direita parlamentar. Argumentam que os governos de esquerda são aqueles que lutam por direitos sociais, se preocupam com os pobres e realizam políticas sociais. Um governo de direita, evidentemente, seria o oposto disso. Logo, não conseguem compreender como um Jair Bolsonaro, por exemplo, com seu discurso reacionário e intolerante, consegue conquistar votos entre os eleitores de baixa renda. Além do mais, como é possível que um defensor da ditadura militar possa atrair a simpatia de tanta gente?

O perfil dos eleitores de Bolsonaro é bastante diverso[1]. Uma das pesquisas do IBOPE[2] revelou que Bolsonaro tem uma maior proporção de eleitores entre aqueles com renda familiar acima de cinco salários mínimos. Até aí não há muita surpresa. Porém isso não explica a liderança dele nas eleições. Afinal, quantas pessoas no Brasil tem uma renda familiar acima de cinco salários? Não se ganha uma eleição sem conquistar o voto das massas. Logo, a grande questão é: como um país, no qual 50% “população economicamente ativa” ganha menos de um salário mínimo[3], está indiferente ou a favor da eleição de um candidato de extrema direita como Bolsonaro? Porque a grande massa dos trabalhadores brasileiros não está votando no Partido dos Trabalhadores?

Inicialmente, vamos nos debruçar em uma das principais armas de campanha do PT: a democracia ameaçada e a perda de direitos. Desde a queda de Dilma Roussef, esse tem sido um ponto martelado pelos social-democratas. Porém, depois de tanto tempo nesse mesmo discurso, parece já estar claro que resgatar o fantasma da ditadura militar não está assustando o grande eleitorado. Por quê? Para responder essa pergunta precisamos tentar entender o que realmente significa viver sob uma democracia em uma sociedade como a nossa. É evidente que, para uma parcela significativa da população, as liberdades dessa democracia possuem um significado imenso, pois possuem um mínimo de poder econômico que faz valer essas liberdades. Vivem em bairros relativamente seguros sem o terror da polícia ou do crime organizado; esses bairros podem até possuir uma infraestrutura mínima; possuem empregos formais com carteira assinada e direito a aposentadoria. Todavia, existe uma imensa quantidade de trabalhadores que não têm acesso a essas garantias. Para estes, é evidente que estar vivendo sob uma democracia significa uma coisa completamente diferente.

O chamado Estado de direito não pode aplicar direitos iguais para pessoas que vivem em condições de vida tão diferentes. Além do mais, infelizmente a perda desses direitos não pode assustar aqueles que pouco ou nunca se beneficiaram deles na prática. Precisamos refletir, por exemplo, quem nem todos serão realmente afetados com a perda de direitos trabalhistas. Em 2017, a quantidade de pessoas que trabalham por conta própria ou em vagas sem carteira assinada superou o número daquelas que têm um emprego formal. Em números absolutos são 33.321 milhões de brasileiros que trabalham com carteira assinada contra 23.198 milhões que trabalham por conta própria, 11.115 milhões que trabalham sem carteira assinada, além dos 12.311 milhões de desocupados[4]. E estes são apenas dados oficiais. Ainda devemos destacar, por exemplo, que o IBGE considera “desocupados” apenas aqueles que ainda estão procurando algum tipo de emprego. Se formos considerar também os indivíduos que já perderam a perspectiva de serem empregados, o número de desempregados pode ser até quatro vezes maior[5]. Nenhuma dessas pessoas se beneficia com direito trabalhista algum, além de não haver quase nenhuma perspectiva de que um dia serão beneficiadas.

Nada disso nega o fato de que as reformas trabalhista e previdenciária afetarão a vida de muitos trabalhadores. Porém, vale ressaltar que tais reformas fazem parte de uma política de austeridade motivada pela atual crise econômica. Qualquer governo que assumir tentará implementá-las. O próprio governo Dilma tentou aprová-las, porém não teve o apoio de um Congresso que estava claramente sabotando o poder Executivo. Neste sentido, as reformas do governo Temer são, essencialmente, uma continuidade do governo Dilma[6].

Seguindo adiante, vamos agora nos debruçar sobre a questão da democracia ameaçada. A social-democracia, sobretudo o PT, acusa Bolsonaro de querer restaurar a ditadura militar no Brasil. Esse discurso, porém, parece não estar fazendo nenhum efeito. Muitos acreditam que isso é causado por um anti-petismo irracional. Diante dessa situação, muitos estão chegando ao ponto de parafrasear as palavras de Cristo, rogando a Deus que “eles não sabem o que fazem”. Entretanto, o anti-petismo está longe de explicar a rejeição ao PT. A ameaça de retorno à ditadura militar, todavia, não pode ter nenhum efeito sobre aqueles para os quais tal ditadura jamais acabou. Será que existe alguma democracia para aqueles que assistem a polícia invadir seus bairros, dia após dia, para aterrorizar, torturar, espancar e matar impunemente? Qual o alcance da liberdade de escolher representantes políticos para aqueles que vivem sob a bota dos traficantes, da milícia ou da própria polícia? É muito possível, inclusive, que a polícia hoje mate tanto quanto – ou até mais – do que na época da ditadura militar[7].  

Além dessa ditadura cotidiana, pudemos assistir, por diversas vezes, o tal “Estado democrático de direito” agir com a mesma violência do regime militar em vários momentos chaves da história brasileira. Já em 1988, dois anos após a redemocratização, o governo Sarney utilizou a polícia e o exército para conter uma greve dos metalúrgicos da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Durante a atuação das forças de segurança, três operários foram mortos. O episódio ficou conhecido como Massacre de Volta Redonda[8]. Em 1995, o governo FHC ordenou que o exército ocupasse quatro refinarias de petróleo para reprimir uma greve dos petroleiros[9].  Também não podemos esquecer da forte repressão policial às manifestações em junho de 2013, sob o governo Dilma[10], que mais tarde convocou o exército para conter as manifestações contra a Copa do Mundo (2014) e contra as Olimpíadas (2016)[11], eventos que motivaram a criação da polêmica Lei Antiterrorismo[12].

Os exemplos são muitos, e todos eles servem para demonstrar que todo Estado exerce uma ditadura ferrenha contra a classe trabalhadora, independente do tipo de governo que o assuma. Qualquer governo que estiver no comando do Estado exercerá necessariamente esse papel, pois a função do Estado é garantir que a exploração capitalista funcione na mais devida ordem. Por 13 anos foi o PT que representou essa ordem. Durante todo esse tempo, ele governou o Estado para garantir o funcionamento de uma sociedade extremamente desigual, utilizando de todo aparato repressor da polícia e do exército, quando estes foram necessários.

Para todos aqueles que vivem sob a repressão diária da polícia ou do tráfico, que desde muito tempo já trabalham sem nenhum direito, que vivem entre o desemprego e a exploração mais intensa, é realmente difícil convencê-los de que a vitória de Haddad seja uma opção “menos pior”. Para estes, o governo do PT foi um governo como qualquer outro. A imensa maioria dessas pessoas rejeita o PT não simplesmente por serem anti-petistas, nem por considerá-lo um partido comunista – acusação que, diga-se de passagem, não passa de um delírio imbecil da extrema direita. Muito provavelmente rejeitam o PT porque, dentre outras coisas, era o governo da vez. Desgastou sua imagem. Era o partido que estava no poder enquanto o Estado exercia sobre os trabalhadores a mais terrível ditadura, em nome da democracia burguesa. No fim das contas, a oposição aproveitou esse desgaste para se promover. Queimou ainda mais o filme do PT, acusando-o de ser culpado de todos os problemas sociais e políticos do Brasil.

Nada disso, porém, é unicamente culpa do PT. Nem Jair Bolsonaro trará redenção alguma. A miséria e a exploração não são problemas de governo, apesar de todas as acusações dos partidos de oposição. Os problemas sociais da classe trabalhadora não podem ser resolvidos por uma mudança de governo, ainda que este seja “dos trabalhadores”. Enquanto a sociedade for baseada na exploração do trabalho e na divisão econômica das classes sociais, não existirá nenhuma democracia para os trabalhadores. O controle social da esfera política não está assentado em uma “soberania popular” abstrata, mas no controle real da esfera econômica. Todavia, existe aqui uma contradição profunda. Pois se observarmos a política enquanto uma esfera autônoma, ela pode realmente possuir uma aparência democrática, enquanto na esfera econômica reina a mais ferrenha ditadura. Os proprietários, sejam eles privados ou gestores estatais, exercem um controle ditatorial no interior de suas empresas. Sob seu bel prazer, nomeiam cargos de confiança, demitem funcionários, promovem outros, cortam benefícios, decidem o que e como produzir, sempre buscando aumentar a exploração sobre os trabalhadores, além de se apropriar de todo o trabalho excedente por eles produzido. Dentro de sua propriedade, os burgueses são verdadeiros ditadores. Quanto maior sua propriedade, maior sua ditadura.

Essa ditadura, por sua vez, transborda da esfera econômica para a política. A burguesia utiliza todo o seu poder econômico para exercer influência sobre o Estado. Financiam eleições, contratam lobistas para conseguir acordos secretos dentro do governo, compram políticos com propinas astronômicas. Com tamanha influência sobre o Estado, a burguesia o utiliza como instrumento para garantir a manutenção do poder ditatorial que exerce sobre sua propriedade privada e, consequentemente, sobre os trabalhadores ligados a ela. Por isso, qualquer governo sempre irá utilizar o exército ou a polícia para reprimir uma greve ou levante das massas. Na parte 4, vimos como um governo “socialista” pode ser sanguinário contra a classe trabalhadora[13].

Apesar de muitas vezes serem concorrentes entre si ou de possuir frações de classe que esporadicamente entram em conflito, as classes dominantes exercem um comando coletivo dentro do Estado. Fazem seus acordos e tomam decisões visando atender objetivos comuns. Organizam-se em federações, associações e sindicatos patronais para representar seus interesses dentro do governo. Entre si, podemos dizer que as classes dominantes vivem uma democracia e exercem livremente seus interesses. Essa democracia, entretanto, mostra sua face ditatorial para aqueles que não possuem o poder econômico nem para exercer qualquer influência sobre o Estado, nem para decidir o que fazer com o produto do seu trabalho. Portanto, a sociedade na qual vivemos é uma moeda de lados opostos. Enquanto a burguesia vive em plena liberdade, a classe trabalhadora está presa em uma escravidão assalariada[14].

A única democracia possível para a classe trabalhadora pode apenas ser conquistada a partir de sua própria luta, sem qualquer participação da burguesia. Uma democracia proletária deve estar no princípio e no fim dessa luta. No princípio, pois deve se iniciar no interior da sociedade capitalista. No fim, pois só poderá se concretizar com a derrubada completa da burguesia e na constituição de uma base social completamente nova, na qual a propriedade privada dos meios de produção seja abolida. Apesar de se iniciar no interior do capitalismo, essa luta apenas pode ser aberta no decorrer de um processo revolucionário.

Houve diversas tentativas revolucionárias da classe trabalhadora se organizar democraticamente contra as classes dominantes a partir da experiência dos conselhos operários[15]. Essa “forma conselho” de organização da classe trabalhadora apareceu pela primeira vez, em sua forma germinal, na Comuna de Paris (1871) e, mais tarde, na Rússia (1905 e 1917), Itália (1919-1920), Hungria (1919), Alemanha (1918-1923) e em outras experiências históricas. É necessário nos debruçarmos sobre tais experiências, analisando seus erros e acertos, se quisermos realmente lutar pela construção de uma democracia para a classe trabalhadora.

É possível que você esteja, neste ponto do texto, achando o desfecho dessa reflexão uma realidade muito distante. Os conselhos operários não aparecem há quase um século. Não existe nenhum processo revolucionário em curso. Devemos, então, cruzar os braços e esperar que alguma revolução caia do céu? Não existem problemas mais urgentes para serem solucionados? O devemos fazer neste momento diante das ameaças imediatas? A sexta parte desta série de artigos refletirá sobre essas questões.


[1]Vice Brasil (YouTube) – O Mito de Bolsonaro: o que pensam e como se organizam seus apoiadores? (clique aqui).
[2]Estadão – Pesquisa Ibope: Bolsonaro perde para Ciro, Marina e Alckmin no 2º turno (clique aqui).
[3]Nexo Jornal – Como está a desigualdade de renda no Brasil, segundo o IBGE1 (clique aqui).
[4]G1 - Trabalho sem carteira assinada e 'por conta própria' supera pela 1ª vez emprego formal em 2017, aponta IBGE (clique aqui)
[5]Faísca – Desemprego: as pessoas por detrás dos números (clique aqui).
[6]Congresso em Foco - Reforma da Previdência de Dilma tinha pontos em comum com a de Temer (clique aqui)
[7]Revista ADUSP – Polícia Militar mata à larga, como a repressão política na ditadura (clique aqui); Medium - “A polícia mata mais hoje do que na ditadura militar”: Uma entrevista com Maria Helena Moreira Alves (clique aqui); Faculdade Cásper Líbero - A ditadura e a violência no Brasil hoje (clique aqui).
[8] Wikipédia – Greve de 1988 (clique aqui).
[9] Folha de São Paulo – Exército ocupa refinarias e produção é retomada (clique aqui); VIOMUNDO – Greve dos petroleiros de 1995 (clique aqui).
[10] Passa Palavra – DOSSIÊ: Jornadas de junho (clique aqui).
[11] Jornal Estado de Minas – Dilma afirma que Exército vai atuar contra protestos (clique aqui); Senado Notícias – Gleisi Hoffmann defende convocações das Forças Armadas feitas por Dilma Rousseff (clique aqui).
[12] El País - Lei de terrorismo, aprovada no Senado, fragiliza protestos no Brasil (clique aqui); Wikipédia – Lei Antiterrorismo (clique aqui).
[13] Faísca – Democracia e eleições: a social-democracia alemã e a ascensão fascista (clique aqui)
[14] Arquivo Marxista na Internet – Pannekoek: A Democracia (clique aqui).
[15] Arquivo Marxista na Internet – Pannekoek: Os Conselhos Operários (clique aqui); Informe e Crítica – Nildo Viana: A Revolução Russa de 1905 e os Conselhos Operários (clique aqui); CCI – O que são os conselhos operários? (clique aqui); Pinheiro; Martorano (orgs.): Teoria e prática dos Conselhos Operários (clique aqui).
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A CRÍTICA DO VOTO CRÍTICO – PARTE 3


Por Eric Garcia
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
(Ver também Parte 1 e Parte 2)

Chegamos no final deste texto com uma questão ainda aberta. Porque muitos grupos, indivíduos e partidos que se reivindicam revolucionários insistem em apostar em uma via social-democrata como o PT, mesmo que criticamente, para estabelecer um terreno mais favorável à luta pela revolução? Será mesmo que esse apoio crítico é uma reação contra as ideias fascistas ou autoritaristas? Analisemos um pouco mais.

O voto crítico não é contra Bolsonaro
É muito interessante notar como que a figura do Bolsonaro faz tantas pessoas apoiarem o PT no segundo turno, mesmo que “criticamente”, mesmo que com um enorme desgosto. De fato, Bolsonaro representa tudo que há de retrógrado na humanidade, e isso faz essas pessoas apostarem no outro lado da moeda. Mas porque dar apoio ao outro lado da mesma moeda? Mesmo os partidos que acusam o PT de estar vinculado de corpo e alma ao capital apostam suas fichas na sua capacidade de frear a onda conservadora que Bolsonaro representa. Mas será que essas pessoas e grupos políticos estão dando um voto crítico no PT enquanto, de fato, uma última esperança contra o Bolsonaro e sua proposta autoritária de governo?
Voltemos, então, no tempo. Há exatos quatro anos, quando Dilma Rousseff disputava o segundo turno das eleições presidenciais contra Aécio Neves. Não havia, neste contexto, um risco iminente de voltarmos à ditadura, não haviam levantes fascistas, propostas autoritárias de governo e nem candidatos que demonstravam abertamente profunda admiração por figuras que fizeram história como torturadores. Mas mesmo assim, pessoas e organizações defenderam o mesmo argumento do voto crítico. É o caso da Esquerda Marxista, que afirmou que: "A tarefa de classe é derrotar Aécio e depois arrancar, nas ruas, as reivindicações. Ou o PT rompe com a burguesia ou vai pagar caro”, e também do pensador marxista José Paulo Netto, membro do PCB, quando disse que deveríamos votar na Dilma com um dedo no nariz e o outro na urna, apenas para impedir que o Aécio ganhasse.
Não era uma frente antifascista que motivava o voto crítico antes. Da mesma forma, não o é agora. É uma aposta sem sentido em o governo social-democrata “romper com a burguesia” e depois facilitar a luta revolucionária, como afirmaram em 2014. Apostam que um governo de “esquerda” no poder pavimentaria o caminho para a destruição de si mesmo. Uma ilusão total e uma falta de perspectiva radical.
A partir disso podemos nos perguntar, como que lutar sob um governo social-democrata seria melhor, já que, como apontou José Barata, “Os vários anos de hegemonia petista nas lutas sindicais, e mais tarde no governo federal, produziram toda uma geração de trabalhadoras e trabalhadores que são incapazes de conduzir suas próprias lutas”? Logo, a análise que fazemos é que grande parte desse discurso do voto crítico é reflexo desse amansamento que perdurou por mais de uma década em que o PT esteve no governo. Muitos dos militantes de aspiração revolucionária estão se acomodando, conformados com a situação política atual, gastando energias para manter a ordem democrática, esperando que um levante revolucionário consciente e ativo ressurja como uma fênix das cinzas de um movimento operário derrotado, mas que teve um passado glorioso de lutas e enfrentamentos diretos.
Existe ainda uma parcela de indivíduos que pensam a revolução como um horizonte possível, e não necessariamente defendem o voto crítico, demonstram um discurso também conformista quando afirmam que nosso papel é apenas estudar, enxergar as contradições, conhecer nosso inimigo, para nos prepararmos para uma possível revolução que está por vir. Este é o caso bastante comum de um marxismo acadêmico que há muito tempo se desvinculou totalmente de uma política de classes. Indiscutivelmente, responder a pergunta “o que fazer?” é tão difícil como dar a volta ao mundo em 80 dias em cima de um balão. Entretanto, por toda experiência histórica que o movimento operário já passou, podemos ter muito mais firmeza ao responder o que não fazer.
Sei que meio do caminho já é alguma coisa, sei que o menos pior pode ser escolhido no lugar da catástrofe, pois as condições concretas agem de forma brutal na vida de muitas pessoas, na mínima condição da sobrevivência. A questão é: até que ponto a social-democracia é menos pior que a extrema direita? É claro que não é correto afirmar que não exista diferença entre ambos, mas ambos defendem o mesmo capital, apenas de diferentes maneiras.
Apesar de todo esse apelo ao voto crítico, a cada eleição que passa, os votos brancos e nulos, bem como as abstenções, aumentam expressivamente no cenário eleitoral. Claro que isso não significa necessariamente uma revolução iminente, ou mesmo uma elevada consciência de classe, mas demonstra que muitos estão descontentes com as opções dadas. Inclusive, muitos são os relatos daqueles que foram votar, mas não quiseram perder seu tempo nas imensas filas das zonas eleitorais.
Por isso, precisamos relembrar que o espírito revolucionário deve combater de frente essa lógica conformada do “menos pior” ou do “melhor campo de batalha”. Ambos os lados nessa disputa de governo são nossos inimigos. Se não nos atermos a isto, poderemos estar fortalecendo àqueles que sempre lutaram para minar todo e qualquer movimento revolucionário na história. Correremos sempre o risco de, enquanto classe, ficarmos presos à velha consciência cidadã de eleitores, perdendo de vista que existem possibilidades além do horizonte eleitoral. Nossas energias, enquanto militantes, já estão gastas em demasia por vivermos nesse momento tão contrarrevolucionário de acirramento das condições de vida e de luta, por isso devemos nos preocupar com pautas verdadeiramente revolucionárias, que podem nos levar, de fato, a uma sociedade na qual o capital esteja superado!
Precisamos com urgência aprender a nos organizar enquanto movimento autônomo das burocracias do Estado, sindicados e partidos institucionais. Só através dessa auto-organização os trabalhadores podem ter uma chance de se libertar da ditadura do capital que nos atormenta, independente de qual regime político.


Nenhum voto é verdadeiramente crítico!

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

A CRÍTICA DO VOTO CRÍTICO – PARTE 2


Por Eric Garcia
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
(Ver também Parte 1 e Parte 3)

No texto anterior, expus uma base para os argumentos deste segundo. A aparente polarização política brasileira e a defesa de uma democracia enquanto um campo de batalha mais suscetível à luta revolucionária faz muitos defenderem, neste 2º turno das eleições, o voto no PT, mesmo com o comprometimento escancarado que este partido já demonstrou com o capital e a burguesia que o representa. Tudo isso numa tentativa de nos manter num regime político democrático mais “livre”, no qual supostamente nossa liberdade de se revoltar contra o sistema seria mais respeitada. Tudo isso faz com que muitos daqueles que se afirmam revolucionários defendam, através do voto, a manutenção de um mundo invertido ao fim revolucionário: um regime político específico do capital. Vejamos mais de perto estes argumentos.

A posição dos que defendem o voto crítico
O grupo brasileiro chamado Esquerda Marxista, que até 2015 estava aliado ao PT, e apenas aí resolveu se distanciar por perceber tardiamente que se tratava de um partido “operário-burguês”, fez uma análise durante o primeiro turno das eleições deste ano defendendo que “Não somos por ‘qualquer um menos Bolsonaro’”. Resolveram então apoiar a candidatura do PSOL, mesmo analisando suas propostas como reformistas, como a taxação sobre grandes fortunas e dar oportunidades iguais a todos. Entretanto, no segundo turno, retornam ao “apoio” à candidatura do PT, mesmo sem concordar com seu plano de governo. Insistem em dizer que “Votaremos no PT, sem nenhuma confiança e combatendo o programa de Haddad e do PT, apenas para barrar Bolsonaro”, posição totalmente contraditória à anterior.
Essa estratégia é baseada no argumento de que é preciso saber qual inimigo combater primeiro. Afirmam que não é uma questão de um “mal menor”, mas de poder derrotar um dos inimigos primeiro (e este seria a extrema direita). Afirmam também que não votar no PT seria um erro histórico idêntico a quando “o Partido Comunista, sob orientação de Stalin, se recusou a fazer frente única com o Partido Socialdemocrata Alemão, a quem chamavam de ‘socialfascistas’, contra o nazismo” na década de 1930. Infelizmente o grupo Esquerda Marxista perde de vista todos os problemas que foram as frentes únicas da época. Essa estratégia stalinista (detalhe inclusive apontado por eles) tem um papel fundamental de tragar a luta revolucionária transformando-a em pautas reformistas da social-democracia, fazendo morrer os objetivos radicais, substituindo-os por lutas que nunca levarão à superação do capital, como a própria defesa da democracia.
Parece muito esdrúxulo essa reviravolta na argumentativa, mas isso aparenta ser mais normal no meio pseudo-revolucionário do que se imagina. No texto de um militante do PCB, Gabriel Fazzio, publicado em março de 2018, ele faz a defesa da participação dos comunistas no processo eleitoral. Traz uma citação fossilizada de Marx e Engels escrita para a Liga dos Comunistas para defender a propaganda revolucionária no processo eleitoral. Se perde em um raciocínio doutrinário de congelar as análises históricas. É claro que muito do que Marx e Engels analisaram em suas épocas ainda é totalmente válido. Mas precisamos distinguir o que mudou. A participação democrática nas eleições não rendeu nenhum bom fruto para o terreno da luta revolucionária. Ao contrário, quando a social-democracia teve finalmente uma chance de estar no poder na Alemanha, traiu todos os revolucionários, matando um punhado deles, como aconteceu com Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
Mesmo defendendo a participação dos comunistas nas eleições, Fazzio defende apenas a participação crítica e de perspectiva operária, negando, inclusive, a possibilidade de apoiar a social-democracia petista. Afirma também que num possível segundo turno onde só haja as opções típicas da política burguesa, nenhuma delas merece o apoio dos revolucionários, e o voto deve ser anulado ou abstido. Contudo, o Comitê Central do PCB lançou nota apoiando o voto crítico no PT neste segundo turno. Outros partidos também aderiram ao voto crítico, como o PSTU e o PSOL. Este último, mesmo passando todo o período do primeiro turno criticando o programa do PT, faz vistas grossas a tudo que disse depois que Haddad resolve incorporar algumas propostas do seu candidato em seu plano de governo.
Todos esses grupos estão amparados na ideia de que devemos derrotar Bolsonaro nas urnas e partir para a luta revolucionária após isso. Alguns com o argumento de que um governo fascista pode emergir dessas eleições. Outros não vão tão adiante nessa expectativa, mas mesmo assim enxergam a possibilidade de um governo autoritário a partir disso. Afirmam que será quase impossível lutar pelo fim do capital em um regime político ditatorial, de extrema direita, autoritário, no qual não poderemos sequer falar de comunismo. Insistem em dizer que o apoio ao PT é apenas uma medida de desespero para não deixar o “protofascista” chegar ao poder, como afirma um militante do PSOL em seu texto “Derrotar o ultraliberalismo, votar contra Bolsonaro e construir a Revolução Brasileira” Mas se olharmos para a história desses partidos defensores de uma participação comunista nas engrenagens do parlamento, veremos que deve existir outro motivo para apoiarem o PT com um voto crítico.
            Mas este é um tema que trataremos na terceira e última parte deste texto.