terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Desemprego: as pessoas por detrás dos números.

         



            Se pararmos para pensar, é difícil imaginar uma vida onde não realizemos nenhuma atividade coletiva, ou seja, onde não tenhamos nossas próprias profissões. Isso porque, para vivermos em sociedade, não podemos produzir tudo que precisamos sozinhos. Comida, roupas, casas, veículos, computadores e tudo mais que utilizamos no nosso dia a dia, tudo é produzido coletivamente, e isso faz com que cada um de nós tenha uma função dentro da sociedade.
            Porém, na sociedade em que vivemos hoje, essas profissões são colocadas diante de nós com certas regras. Temos que trabalhar o dia todo, tendo apenas o fim de semana para descansar, e a grande maioria só ganha em troca um salário humilhante no fim do mês. Não decidimos o que fazer em nossos trabalhos, ficando subordinados aos interesses daqueles que nos empregam. Mas pior do que isso são as pessoas que estão desempregadas.
            Contrariando essa lógica do trabalho coletivo, muitas pessoas hoje estão sem trabalho e não realizam nenhuma atividade produtiva. Não que isso seja culpa delas, mas muitas vezes nos deparamos com as portas fechadas quando procuramos por algum trabalho assalariado. Pelo que parece, não existe emprego o suficiente para todos, e muitas pessoas acabam ficando com sua capacidade de trabalhar parada. As desculpas não são poucas, falta de estudos, preguiça, incapacidade, má gestão do governo, dentre tantas coisas. Mas o mercado de trabalho hoje não comporta toda a força de trabalho existente. Até para algumas pessoas bem qualificadas e que precisam do trabalho está difícil se empregar. O desemprego é um problema crônico que nenhum governo no mundo foi capaz de resolver.
            Até os números mais otimistas ocultam uma realidade muito mais alarmante. Por detrás de toda estatística sobre a sociedade existem seres humanos, com suas próprias vidas, famílias, desejos e necessidades. Por exemplo, a pesquisa sobre desemprego realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem como conceito de “População Desocupada - aquelas pessoas que não tinham trabalho, num determinado período de referência, mas estavam dispostas a trabalhar, e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva (consultando pessoas, jornais, etc.)”[1].
            Isso quer dizer que muitas pessoas que também vivem em péssimas condições econômicas e, por alguma razão, não “tomaram alguma providência efetiva” simplesmente não entram no cálculo do desemprego do IBGE. Apenas dessa forma este órgão consegue falsear a realidade divulgando uma taxa de desemprego próxima a 5%, como fizeram em 2013. Segundo esses dados oficiais, apenas 5% da população economicamente ativa se encontra desempregada, sendo que a realidade mostra uma situação muito mais alarmante. Apesar das divergências políticas que temos com os princípios o Instituto Ludwig von Mises Brasil, em um dos seus artigos [2] ele aponta, utilizando a própria pesquisa do IBGE, que a taxa de desemprego estaria situada por volta de 20%, e não dos falsos 5% que os dados oficiais insistem em propagandear na mídia.
            Todas as pessoas que já estão desempregadas há muito tempo e desistiram de procurar emprego nem sequer entram no cálculo dos desempregados. O senhor que cata latinhas e papelão, o pai de família que vive de bicos ocasionais e não consegue uma renda de um salário mínimo ao mês, a mulher que não encontra outra opção senão a prostituição, o jovem que trabalha apenas meio período pois não conseguiu arrumar um emprego integral, além de camelôs, malabaristas de sinais, pedintes e tantos outros casos de desemprego e subemprego não entram no cálculo da “população desocupada” do IBGE.
            Como podemos ver, o buraco do desemprego é mais embaixo do que revelam os dados oficiais. Mas apesar deste ser um problema social grave, a existência de um grande exército de desempregados é muito bom para o sistema capitalista, colocando os patrões em uma situação extremamente favorável na defesa de seus interesses. Como isso é possível? Bem, imagine que trabalhamos em uma mesma empresa que utiliza uma mão de obra que está sobrando no mercado de trabalho. Agora imagine que estamos recebendo salários baixos (fácil imaginar, não é?), logicamente isso iria gerar uma insatisfação por parte dos trabalhadores. Se resolvêssemos fazer uma greve e parar de trabalhar até que nossos patrões aumentassem nossos salários satisfatoriamente, é possível que ele nos demita tranquilamente, pois sabe que existem muitos trabalhadores desesperados por um emprego, logo outras pessoas entrariam em nosso lugar rapidamente. A simples existência deste exército de reserva (os desempregados) força aqueles que estão trabalhando a aceitarem salários mais baixos.
            Essa situação é tão desfavorável para os trabalhadores que muitas vezes os patrões pagam salários que não conseguem sequer dar conta de garantir condições mínimas de sobrevivência. Foi preciso que o próprio Estado burguês criasse a lei do salário mínimo. Mas essa lei não foi um presente de um tão bondoso Estado para os trabalhadores. Seu objetivo era estabelecer a quantidade mínima de bens que os trabalhadores precisam comprar para conseguir ao menos se manter de pé para trabalhar no outro dia e gerar mais lucro para seus patrões. Foi um golpe fatal de derrota à classe trabalhadora. Infelizmente, a sociedade capitalista funciona há tanto tempo que é comum encararmos esta situação de uma forma muito natural, as vezes, até benéfica. Porém, por incrível que pareça, as circunstâncias nem sempre foram assim.
            Na Inglaterra do século XIV, quando o capitalismo estava apenas em sua fase inicial, surgiram as primeiras formas de trabalho assalariado que deram origem às manufaturas e, posteriormente, às fábricas modernas. Neste período, a procura por trabalho assalariado estava crescendo rapidamente, mas a população inglesa ainda era muito pequena e, além do mais, ainda estava muito ligada a uma tradição camponesa que poderia tirar parte do seu sustento do trabalho agrícola. Como havia poucos trabalhadores para uma quantidade cada vez maior de emprego, os patrões disputavam mão de obra pagando salários muito altos. Dessa forma, os trabalhadores muitas vezes não queriam trabalhar uma jornada de muitas horas, pois em pouco tempo de trabalho conseguiam o suficiente para viver.
            A situação estava tão desfavorável para a burguesia que esta se tornou uma queixa frequente na Câmara dos Comuns no Parlamento inglês. Para defender os seus interesses, os burgueses se utilizaram do Estado para criar, em 1349, o Estatuto do Trabalho que, além de forçar os trabalhadores a se submeterem a uma jornada maior, criou a lei do salário máximo, para evitar os prejuízos da burguesia na sua disputa por mão de obra. Proibia-se, sob pena de prisão, pagar salários mais altos do que o determinado por lei: uma pena de 10 dias para quem pagasse um salário mais alto e 21 dias para quem o recebesse [3].
            Como podemos observar, o desenvolvimento do sistema capitalista produziu uma superpopulação de desempregados que beneficia muito os interesses dos patrões, pressionando os trabalhadores empregados a aceitaram baixos salários e condições mínimas de trabalho. Olhando para o passado, parece evidente que o Estado nunca agirá a favor dos trabalhadores, buscando formas de acabar com o desemprego. Pelo contrário, como vemos na Inglaterra do século XIV, buscará formas de garantir a realização dos interesses das classes dominantes.
            Apenas os trabalhadores organizados podem agir de acordo aos seus interesses. Não podemos esperar que os próprios patrões ou o Estado tomem providências, pois estes defendem interesses extremamente opostos aos dos trabalhadores. Somente uma mudança radical em todas as estruturas sociais podem mudar as circunstâncias que tornam o próprio desemprego algo benéfico e necessário ao sistema econômico dominado pela burguesia urbana e rural. É preciso lutar contra o próprio capital e destruí-lo. Os trabalhadores devem tomar o controle sobre o que eles produzem com o seu suor, e gerir esta riqueza segundo suas necessidades e não de acordo com os interesses mesquinhos dos mais ricos. Esta é uma reflexão necessária e que está se tornando cada dia mais urgente.





[3] Para saber mais a respeito, consultar Karl Marx, O capital (volume 1, capítulo 8 – A jornada de trabalho) ou Edward Palmer Thompson, Costumes em comum (capítulo 6 – Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial).