A
violência é com certeza um tema complexo, mas nem por isso devemos nos furtar
ao debate de tal assunto. Ela se manifesta nas mais variadas formas, desde a
agressividade cotidiana dos homicídios, da repressão policial, como também nas
guerras, ataques terroristas, etc., até em formas mais sutis, mas não menos
nocivas, como a exploração no mundo do trabalho ou a violência simbólica que
angustia milhares de seres humanos, também através da homofobia, machismo
xenofobia, chauvinismo, racismo, etc..
No
atual contexto brasileiro, a violência do Estado, evidentemente a policial, tem
tomado contornos de genocídio. Alguns dias antes do carnaval, policiais
promoveram um massacre na região do Cabula em Salvador. Doze jovens foram
executados sob pretexto de formarem uma quadrilha de roubo a caixa de banco e
segundo várias investigações posteriores provaram que as acusações eram falsas
(1). Apesar disso, o governador do Estado, Rui Costa,
defendeu a ação e num auditório lotado de policiais os encorajaram a matar supostos
criminosos como se fossem artilheiros marcando gols (2). É impossível estimar a dor e a revolta das famílias. Os
trabalhadores da periferia que já sofrem diariamente com a precariedade (saúde,
educação, trabalho, transporte, segurança) ainda têm seus filhos dizimados pelo
órgão repressor do Estado. A eles se aplicam o princípio de que “são culpados
até que provem o contrário” (3).
Houve
reações por parte de organizações como “Reaja ou seja morto, Reaja ou será
morta!”, OAB, Mães de Maio, dentre outras dezenas de organizações que
denunciaram o massacre e pediram punição aos responsáveis . Em geral, pediram
que a polícia respeitasse os direitos humanos e, sob o amparo das garantias
constitucionais, pediram a efetivação de uma nova política de segurança pública
(4). Segundo matéria do site Caminhos da Reportagem: “A
polícia brasileira foi responsabilizada pela morte de 11 mil pessoas durante
cinco anos, segundo dados de 2013 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.” (5). Mas essa violência de Estado (policial), não é um
problema de administração ou de ordem pessoal, é uma violência dirigida e tem
seus fundamentos e função social na origem do próprio Estado.
No
desenvolvimento da humanidade, com o surgimento da propriedade privada, e
consequentemente da sociedade de classes e do Estado, nasce também as formas de
violência que a acompanham, marcadas principalmente pela exploração dos seres
humanos por seres humanos.
Nesse
sentido, para analisar essas posições, é necessário a compreensão do que é, de
fato, o Estado. Essa instituição tem a função de garantir o domínio de uma
classe sobre as outras, e no caso do capitalismo, para garantir o domínio da
burguesia. Através do Estado, a classe dominante submete e explora as outras
classes e, em especial, o proletariado. Como órgão deste Estado, cabe a polícia
o papel de defender esse Estado, fazendo uso da coerção e da violência para
assegurar a sobrevivência da ordem capitalista. Em qualquer país do mundo e por
mais democrático que seja, o Estado não é mais do que uma máquina para a
repressão da classe operária pela burguesia, da massa dos trabalhadores por um
punhado de capitalistas.
O
modo que a sociedade produz os bens necessários à sua manutenção se baseia na
exploração dos trabalhadores assalariados. Sem eles, nenhuma empresa ou
indústria conseguiria produzir lucro e, consequentemente, garantir sua posição
em meio à concorrência do mercado. Ou seja, por mais que os trabalhadores
estejam numa posição desfavorável, eles são a pedra angular da produção de
capital. Por isso, o proletariado é a classe fundamental no enfrentamento do
poder da burguesia, pois é responsável pela produção material da sociedade.
Além
disso, outra evidência do caráter defensor da ordem capitalista exercido pela
polícia é o fato de estar sempre pronta a coagir ou usar da violência para
conter as lutas dos trabalhadores, mesmo quando reivindicam coisas tão
elementares como um salário para a satisfação das necessidades básicas. A
repressão direcionada às manifestações de 2013 contra o aumento nas tarifas de
transporte e também a muitos protestos de professores pelo Brasil afora por
melhores condições de trabalho são exemplos recentes de como a polícia é contrária
às lutas dos trabalhadores.
Considerando
isso, fica fácil compreender porque os massacres realizados pela polícia ficam
impunes e porque se repetem constantemente. Como guardiões da ordem do capital
e do Estado, eles sempre vão gozar de privilégios na hora de serem julgados. Os
casos de policiais condenados por estes crimes são pouquíssimos em meio ao
número de assassinatos cometidos. Quer dizer, são exceções à regra.
Entretanto,
esses massacres policiais têm se tornado tão comuns que a sociedade está
perdendo o sentido de indignação. Em meio a tantos relatos de execuções
sumárias pelas forças de repressão do Estado, são poucos os casos que suscitam
uma reação de modo mais massivo. Esta situação nos leva a um problema maior que
é a “naturalização” da violência. Presos no ciclo vicioso da sociedade
capitalista, onde riqueza e miséria são faces da mesma moeda, a violência se
torna doença e remédio, levando a crer que atacar o fenômeno em si é a única
opção, mascarando a necessidade da transformação radical da sociedade.
Ao
defenderem que a polícia deve agir em respeito aos direitos humanos, as
organizações mencionadas acima acreditam que houve abuso e que os agentes do
Estado agiram extrajudicialmente e fora dos marcos da legalidade. Assim, se os
trâmites legais de acusação, inquérito, julgamento etc. tivessem sido seguidos
estaria tudo resolvido. Em tal visão, o Estado é uma instituição capaz de
analisar de modo imparcial os conflitos na sociedade, ou seja, está separado e
acima das divisões de classes, por isso está apto a ser um agente neutro que
pode determinar a justiça em cada caso que julgar. Como vimos anteriormente,
não é bem isso que ocorre.
Portanto,
a solução do problema através do respeito aos direitos humanos pela polícia
mostra-se uma mistificação e, no final das contas, em lugar de evidenciar o
papel de principal pilar da ordem capitalista, fortalece o Estado e a
burguesia. Pretender que o Estado seja uma estrutura de pacificação e de
harmonia entre as classes é uma completa ilusão. Para a burguesia, essa é uma
ilusão totalmente plausível, pois é ditada pelos seus interesses e para a
conservação dessa situação. Agora, para quem luta por uma sociedade livre de
exploração de classe não faz sentido acreditar e propagar essa crença.
Apontarmos uma solução para o problema dos massacres policiais dentro dos limites do capitalismo é impossível, mas a história das lutas da classe trabalhadora mostra que quando ela reage aos atos de força do Estado de maneira unida, solidária, consciente e massiva, a burguesia e seus instituições de repressão passam a respeitá-la. As grande manifestações de junho de 2013, apesar de ter uma origem diferente, teve como elemento propulsor a reação em massa contra a repressão cruel do protesto em São Paulo contra o aumento da tarifa de transportes. Depois que as manifestações passaram a ganhar um caráter de massa, a polícia passou a se apresentar mais hesitante no uso da força com medo de tornar mais massivo ainda os protestos. A melhor defesa contra a repressão do Estado por meio da violência policial é a solidariedade dos trabalhadores.