sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Sobre a natureza da crise política brasileira*

Muito tem sido dito sobre a atual crise política brasileira. Na grande mídia, vemos uma verdadeira guerra entre as imprensas simpáticas às principais coalizões políticas do país, como, por exemplo, a Veja e Isto é de um lado, e a Caros Amigos e Carta Capital do outro.
Ás vésperas do afastamento de Dilma Rousseff, as emissoras de televisão chegaram a suspender a programação oficial para dar atenção as picuinhas políticas em Brasília. Nas redes sociais, centenas de postagens alimentavam um clima de disputas partidárias. As causas reais dessa crise não são facilmente descobertas, mas, de antemão, já podemos afirmar que todas elas têm relação direta com a crise mundial do capitalismo.
Na grande maioria dos casos estes conflitos foram tratados como um problema tipicamente brasileiro. Como se os conflitos e as crises no resto do mundo não pudessem ter alguma relação com a decadência do Partido dos trabalhadores (PT), que nos últimos anos vinha dominando a cena política. Além disso, a disputa ideológica tomou uma aparência enganadora. Pouca atenção foi dada ao fato de que os inimigos de agora até pouco tempo atrás eram “bons camaradas”. Boa parte dos opositores do PT atualmente foram, nas últimas eleições, do “time de Dilma e de Lula”.
Para além das falas apaixonadas ou desesperadas que alimentam uma falsa polarização, é necessário fazer uma reflexão séria e ponderada. O que justifica essa virada de mesa da política parlamentar? Quais interesses econômicos estão por trás das atuais disputas? Qual a relação entre a crise política no Brasil com a crise do capitalismo mundial? Um novo “salvador” (Sérgio Moro, Ciro Gomes etc.) poderá redimir a sociedade brasileira de seus males? Existe algo que a classe trabalhadora pode fazer?
Sabemos que as respostas para tantas perguntas não são fáceis, mas tentaremos dar um ponta pé inicial neste sentido.


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Jornal Faísca Nº 4 - Outubro de 2016



Para ter acesso a nossa quarta edição, clique aqui ou na imagem acima.

   Depois de mais de um ano, o FAÍSCA retorna em seu quarto número, que, assim como as edições anteriores, é fruto de muitos debates entre os participantes do jornal. Desta vez, os debates variaram entre a grave crise imigratória atual, fruto das guerras imperialistas no Oriente Médio, e a produção do espaço urbano, que, determinado pelo capital, define como a cidade é produzida e quem tem acesso a ela.

   Porém, apesar da relevância desses temas, a grande polêmica dos últimos tempos se tornou o tema desta presente edição. O impeachment da ex-presidente Dilma, o fim do governo do PT e as dúvidas sobre o que os trabalhadores devem fazer em relação à esses acontecimentos, chamou a nossa responsabilidade para combater alguns dos discursos propagados pelos grupos envolvidos nesse processo.

   Desta forma, o jornal Faísca discute esses acontecimentos, assim como busca indicar sugestões aos trabalhadores sobre formas para reagir perante as mentiras do governo deposto e aos ataques do novo governo às suas condições de vida.



Jornal Faísca

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Entre a cruz e a espada

Comentários sobre o impeachment de Dilma e o “Fora Temer”


por José Barata
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor



A conclusão do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff na semana passada deu um novo fôlego aos debates apaixonados nas mesas de bar, filas de banco e redes sociais. O fato parece apontar ainda mais para o fim da era PT, tal como a conhecemos.

A reação imediata da opinião pública foi, mais uma vez, polarizar exageradamente os dois blocos políticos que atualmente disputam a hegemonia política no Estado. De um lado, a “direita coxinha” comemora a derrota daquilo que chamam de (pasmem!) a maior quadrilha da história do Brasil, julgada e condenada pelos paladinos citados nos escândalos de corrupção da “operação lava-jato”. Do outro lado, os “petralhas” e seus satélites lamentam dramaticamente o fim da “democracia” no país. Denunciam os horrores da “ditadura Temer” na repressão de protestos, sem se dar conta que o asfalto ainda não desbotou do sangue derramado nos anos da “democracia Rousseff”.

Nesse clima de torcida organizada, os dois lados se apegam a argumentos que passam longe do que poderíamos chamar de um posicionamento político sensato. Parecem se apegar excessivamente a aparência das coisas, como se a bandeira vermelha e o vocabulário pseudo-socialista fizessem do PT um “verdadeiro” partido dos trabalhadores.

Os “anos dourados” do governo petista são contrapostos drasticamente às “novas” políticas do PMDB e ao antigo governo FHC. Em suas devidas proporções, as diferenças de fato existem. Mas é preciso compreender o significado social e o alcance dessas diferenças. O primeiro passo no sentido de uma análise concreta da situação é superar a barreira nacional. O nacionalismo é uma ideologia que iguala todos os indivíduos de um país sob seus aspectos culturais. Sua função é criar uma identidade geral a todos os cidadãos e ao seu território, segundo elementos comuns de sua história, religião, idioma ou costumes. Com base neste apelo, é construída a ideia de que a nação brasileira possui um interesse comum, ignorando todas as diferenças sociais internas. Neste “mundo fantástico”, ricos e pobres, patrões e operários possuem um único objetivo, afinal de contas, são todos brasileiros. Cria-se a ilusão de que o trabalhador brasileiro possui mais interesses em comum com o compatriota que lhe explora, do que com um outro trabalhador argentino, chinês, iraquiano ou de qualquer outra nacionalidade.

Seguindo este raciocínio, quando um político diz que luta pelo crescimento do Brasil, na verdade, consciente disso ou não, ele trabalha para os interesses das classes dominantes do país, que generalizam suas necessidades particulares sob a ideologia nacionalista. Logo, ainda que cada partido siga uma estratégia de governo diferente, adaptada a cada situação, no fim das contas, todos cumprem a função de manter a “ordem” para que os empresários possam fazer os seus negócios sem maiores transtornos. Fazem isso até mesmo realizando concessões quando necessário, permitindo o aumento de salários ou implementando programas sociais como o bolsa-família. Todavia, nenhum governo será capaz de acabar com as desgraças cotidianas dos trabalhadores, pois isso seria colocar em risco a dominação econômica que permite o enriquecimento das classes dominantes. São essas mesmas classes que financiam todas as campanhas eleitorais, além de beneficiarem os políticos profissionais nos milionários esquemas de corrupção.

Apesar disso, é possível identificar diferentes linhas de governo. É um fato irrefutável que o governo do PT reorientou a política externa brasileira. A integração do país nos BRICS buscou criar uma maior independência do Brasil em relação ao FMI. O predomínio das concessões públicas para a extração do pré-sal pelas empresas chinesas foi um claro afastamento da hegemonia dos Estados Unidos nas relações internacionais com o Brasil. Para aqueles que alimentam uma forte antipatia ao “tio Sam”, esta mudança foi comemorada como um verdadeiro gol de placa. Mas, do ponto de vista dos trabalhadores, quais foram os impactos deste realinhamento do Brasil na política internacional? Dizer que isso foi uma vitória para todos os brasileiros não passa de uma ilusão.

Como em um jogo de futebol, o torcedor fanático comemora a vitória do seu time como se fosse sua, quando ele nada teve a ver com o desempenho do time. Enquanto isso, os jogadores, a equipe técnica, a mídia e seus patrocinadores ganham o verdadeiro prêmio, lucrando milhões com os espetáculos esportivos. Assim funciona a democracia representativa. Os cidadãos comemoram os novos acordos comerciais do país, o aumento das exportações e o crescimento das industrias como se fosse uma conquista para toda a população, simplesmente porque se sentem parte de uma grande nação com um objetivo comum.

Podemos nos perguntar, por exemplo, se a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro fez alguma diferença na vida dos antigos escravos no Brasil. Como se afetaram com a abertura dos portos em 1808? Quais benefícios colheram com a independência em 1822? Como a senzala reagiu ao realinhamento do comércio brasileiro com a Inglaterra após a derrota dos portugueses nas lutas de libertação nacional?

Os escravos se tornaram assalariados. A exploração do trabalho mudou a sua forma, mas sua essência permanece a mesma. As classes latifundiárias escravocratas não evaporaram com a Lei Áurea. Apenas se adaptaram aos novos ventos, tendo, inclusive, que disputar espaço com uma burguesia tupiniquim recém nascida.

Neste sentido, do ponto de vista dos trabalhadores, quando os defensores apaixonados da “democracia” afirmam que o governo do PT é o extremo oposto dos demais, não se dão conta de que, em outras palavras, estão dizendo que do ponto de vista da comida prestes a ser devorada, existe uma diferença crucial se o cozinheiro irá fritá-la na chapa ou cozinhá-la em banho-maria.

O PT não será capaz de deter o avanço do conservadorismo no país, pois, de certa forma, foi ele quem preparou o terreno para que os conservadores perdessem a “vergonha na cara”, desde a queda da ditadura militar. Com o controle dos movimentos sociais e o fortalecimento do sindicalismo, os sucessivos governos petistas contribuíram para o adestramento da classe trabalhadora. Nesta situação, o proletariado mal está reagindo a ameaça das políticas de contenção de gastos motivadas pela crise econômica, fato que pode tornar sua vida cada vez pior.


A única força capaz de impedir o avanço do conservadorismo no Brasil é a classe trabalhadora organizada em seu conjunto, livre do controle dos sindicatos e dos partidos políticos. Caso contrário, as classes dominantes vão agir sem o menor constrangimento sempre que possível, apoiando governos cada vez mais reacionários. Caso a insurreição das massas se torne um risco visível, os burgueses e latifundiários poderão mais uma vez cair nas graças da socialdemocracia, seja através do PT ou de algum outro partido na linha sucessória. Mas farão isso apenas para enganar os trabalhadores, encenando com fantoches radicais que gritam discursos vazios. A libertação da classe trabalhadora não será oferecida por nenhum governo, pois o Estado é seu inimigo. Apenas uma luta árdua por fora do Estado poderá vencer o capital. Para derrubá-lo, o golpe precisa vir de baixo.