Comentários sobre o impeachment de Dilma e o “Fora Temer”
por José Barata
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
A conclusão do
julgamento do impeachment de Dilma
Rousseff na semana passada deu um novo fôlego aos debates apaixonados nas mesas
de bar, filas de banco e redes sociais. O fato parece apontar ainda mais para o
fim da era PT, tal como a conhecemos.
A reação imediata da opinião
pública foi, mais uma vez, polarizar exageradamente os dois blocos políticos
que atualmente disputam a hegemonia política no Estado. De um lado, a “direita
coxinha” comemora a derrota daquilo que chamam de (pasmem!) a maior quadrilha
da história do Brasil, julgada e condenada pelos paladinos citados nos
escândalos de corrupção da “operação lava-jato”. Do outro lado, os “petralhas”
e seus satélites lamentam dramaticamente o fim da “democracia” no país.
Denunciam os horrores da “ditadura Temer” na repressão de protestos, sem se dar
conta que o asfalto ainda não desbotou do sangue derramado nos anos da
“democracia Rousseff”.
Nesse clima de torcida
organizada, os dois lados se apegam a argumentos que passam longe do que
poderíamos chamar de um posicionamento político sensato. Parecem se apegar
excessivamente a aparência das coisas, como se a bandeira vermelha e o
vocabulário pseudo-socialista fizessem do PT um “verdadeiro” partido dos trabalhadores.
Os “anos dourados” do
governo petista são contrapostos drasticamente às “novas” políticas do PMDB e
ao antigo governo FHC. Em suas devidas proporções, as diferenças de fato
existem. Mas é preciso compreender o significado social e o alcance dessas
diferenças. O primeiro passo no sentido de uma análise concreta da situação é
superar a barreira nacional. O nacionalismo é uma ideologia que iguala todos os
indivíduos de um país sob seus aspectos culturais. Sua função é criar uma
identidade geral a todos os cidadãos e ao seu território, segundo elementos comuns
de sua história, religião, idioma ou costumes. Com base neste apelo, é
construída a ideia de que a nação brasileira possui um interesse comum,
ignorando todas as diferenças sociais internas. Neste “mundo fantástico”, ricos
e pobres, patrões e operários possuem um único objetivo, afinal de contas, são
todos brasileiros. Cria-se a ilusão de que o trabalhador brasileiro possui mais
interesses em comum com o compatriota que lhe explora, do que com um outro
trabalhador argentino, chinês, iraquiano ou de qualquer outra nacionalidade.
Seguindo este
raciocínio, quando um político diz que luta pelo crescimento do Brasil, na
verdade, consciente disso ou não, ele trabalha para os interesses das classes
dominantes do país, que generalizam suas necessidades particulares sob a
ideologia nacionalista. Logo, ainda que cada partido siga uma estratégia de
governo diferente, adaptada a cada situação, no fim das contas, todos cumprem a
função de manter a “ordem” para que os empresários possam fazer os seus
negócios sem maiores transtornos. Fazem isso até mesmo realizando concessões
quando necessário, permitindo o aumento de salários ou implementando programas
sociais como o bolsa-família. Todavia, nenhum governo será capaz de acabar com
as desgraças cotidianas dos trabalhadores, pois isso seria colocar em risco a
dominação econômica que permite o enriquecimento das classes dominantes. São
essas mesmas classes que financiam todas as campanhas eleitorais, além de
beneficiarem os políticos profissionais nos milionários esquemas de corrupção.
Apesar disso, é
possível identificar diferentes linhas de governo. É um fato irrefutável que o
governo do PT reorientou a política externa brasileira. A integração do país
nos BRICS buscou criar uma maior independência do Brasil em relação ao FMI. O
predomínio das concessões públicas para a extração do pré-sal pelas empresas
chinesas foi um claro afastamento da hegemonia dos Estados Unidos nas relações
internacionais com o Brasil. Para aqueles que alimentam uma forte antipatia ao “tio
Sam”, esta mudança foi comemorada como um verdadeiro gol de placa. Mas, do
ponto de vista dos trabalhadores, quais foram os impactos deste realinhamento
do Brasil na política internacional? Dizer que isso foi uma vitória para todos os
brasileiros não passa de uma ilusão.
Como em um jogo de
futebol, o torcedor fanático comemora a vitória do seu time como se fosse sua,
quando ele nada teve a ver com o desempenho do time. Enquanto isso, os
jogadores, a equipe técnica, a mídia e seus patrocinadores ganham o verdadeiro
prêmio, lucrando milhões com os espetáculos esportivos. Assim funciona a
democracia representativa. Os cidadãos comemoram os novos acordos comerciais do
país, o aumento das exportações e o crescimento das industrias como se fosse
uma conquista para toda a população, simplesmente porque se sentem parte de uma
grande nação com um objetivo comum.
Podemos nos perguntar,
por exemplo, se a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro fez alguma
diferença na vida dos antigos escravos no Brasil. Como se afetaram com a
abertura dos portos em 1808? Quais benefícios colheram com a independência em
1822? Como a senzala reagiu ao realinhamento do comércio brasileiro com a
Inglaterra após a derrota dos portugueses nas lutas de libertação nacional?
Os escravos se tornaram
assalariados. A exploração do trabalho mudou a sua forma, mas sua essência
permanece a mesma. As classes latifundiárias escravocratas não evaporaram com a
Lei Áurea. Apenas se adaptaram aos novos ventos, tendo, inclusive, que disputar
espaço com uma burguesia tupiniquim recém nascida.
Neste sentido, do ponto
de vista dos trabalhadores, quando os defensores apaixonados da “democracia”
afirmam que o governo do PT é o extremo oposto dos demais, não se dão conta de
que, em outras palavras, estão dizendo que do ponto de vista da comida prestes
a ser devorada, existe uma diferença crucial se o cozinheiro irá fritá-la na
chapa ou cozinhá-la em banho-maria.
O PT não será capaz de
deter o avanço do conservadorismo no país, pois, de certa forma, foi ele quem
preparou o terreno para que os conservadores perdessem a “vergonha na cara”,
desde a queda da ditadura militar. Com o controle dos movimentos sociais e o fortalecimento
do sindicalismo, os sucessivos governos petistas contribuíram para o
adestramento da classe trabalhadora. Nesta situação, o proletariado mal está
reagindo a ameaça das políticas de contenção de gastos motivadas pela crise
econômica, fato que pode tornar sua vida cada vez pior.
A única força capaz de
impedir o avanço do conservadorismo no Brasil é a classe trabalhadora
organizada em seu conjunto, livre do controle dos sindicatos e dos partidos
políticos. Caso contrário, as classes dominantes vão agir sem o menor
constrangimento sempre que possível, apoiando governos cada vez mais
reacionários. Caso a insurreição das massas se torne um risco visível, os
burgueses e latifundiários poderão mais uma vez cair nas graças da socialdemocracia,
seja através do PT ou de algum outro partido na linha sucessória. Mas farão
isso apenas para enganar os trabalhadores, encenando com fantoches radicais que
gritam discursos vazios. A libertação da classe trabalhadora não será oferecida
por nenhum governo, pois o Estado é seu inimigo. Apenas uma luta árdua por fora
do Estado poderá vencer o capital. Para derrubá-lo, o golpe precisa vir de
baixo.