O movimento Ocupa UESB e o
combate a democracia representativa
por José Barata
os posicionamentos deste texto são de responsabilidade do autor
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Os
movimentos nacionais de ocupações em escolas, universidades e institutos
federais[1] chegaram
à Vitória da Conquista com toda sua dinamicidade. Na UESB ele cresceu
rapidamente, vindo de baixo, e caminhou para o choque inevitável contra as
instituições burocráticas do Estado que estão imediatamente próximas ao
movimento da base. Não me refiro à polícia ou ao poder judiciário, mas às próprias
instâncias de representação oficiais, o sindicato dos estudantes
universitários: o Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Menos de
uma semana após o início da ocupação, o DCE já havia sido deixado para trás. A reviravolta
ocorreu após uma manobra de cúpula do Levante Popular da Juventude - uma
organização de petistas enrustidos - onde tentou instituir representantes
jurídicos do movimento sem o aval prévio de uma assembleia. Tais dirigentes
foram denunciados, confrontados e deslegitimados. Deram vexame, para o delírio
das oposições que disputam o diretório. A mesa virou e o controle do movimento
passou das mãos do DCE para a Assembleia.
Nos
momentos seguintes, a tentativa de reconciliação foi impossível. Os caciques do
Levante passaram a se queixar do filho que largou a barra de sua saia. Diziam
querer apenas ajudar, de boa vontade, como um bom político faz. Depois se
demonstraram comovidamente preocupados com os rachas do movimento, como se não
fosse saudável rachar com um cão de guarda do PT. Em seguida, passou a culpar
os "esquerdistas”, com seus delírios "anarcocapitalistas" de
questionar as instituições divinas do Estado.
Por fim,
chegaram ao ponto de descumprir uma deliberação da Assembleia. Colaboraram com
aqueles que estão abertamente difamando a ocupação. Sem coragem de assumir a
responsabilidade de uma decisão política que fizeram, alegam apenas estarem
cumprindo o seu dever de seguir um estatuto. Um protocolo banal. Ao buscar
fundamento para o que fizeram, não se baseiam na necessidade real do movimento,
mas na adoração jurídica de instituições abstratas. Citam o estudo do DCE para
provar que estão certos, tal como os senhores de escravo citavam a lei para
legitimar a escravidão:
Art. 13.
Compõe o DCE por ordem decrescente de poder deliberativo as instâncias:
a) O Congresso
de Estudantes da UESB;
b) O
Conselho de Entidades de Base multicampi;
c) O
Conselho das gestões do DCE de cada campus;
d) A
Assembleia Geral de Estudantes do campus;
e) O
Conselho de Entidades de Base (CEB) do campus;
f) A
reunião da Diretoria do DCE de cada campus.
Tal como aparece no estatuto, defendem que a instância
superior do movimento é o Congresso de estudantes da UESB. Sequer se questionam
como um congresso desses funciona e os obstáculos burocráticos para ser posto
em prática. Em uma conjuntura onde o Estado consegue controlar as tensões
sociais, é evidente que um congresso se realiza sempre em um clima de calmaria,
quando os movimentos de massa estão adormecidos. Neste caso, a eleição de
delegados pode ser facilmente controlada por organizações de políticos
profissionais, pois as massas estão majoritariamente esmagadas pelo cotidiano
frenético da sociedade capitalista. Sem muitos problemas, partidos políticos
formam seus currais eleitorais, sempre em clima de carnaval, recrutando votos
na base da amizade e do clientelismo.
Alguns anos atrás, esta situação ridícula foi
denunciada em vídeo que viralizou no YouTube (Que porra é essa?). É muito comum nestes
congressos que a maior parte da delegação não participe dos espaços de debate. Muitos
comparecem apenas pelo turismo. Muitas vezes, um congresso esvaziado pode
surpreender lotando uma plenária final, repleta de pessoas que foram ali apenas
para votar no seu "time de futebol". Muitas vezes votam em bloco, com
posições já acertadas em reuniões de cúpulas. Neste clima, todo discernimento é
posto de lado. Os grupos com maiores recursos financeiros e aparatos
burocráticos conseguem levar mais delegados. Freqüentemente ganham quase todas
as votações. Tal como nas eleições gerais, as campanhas mais caras geralmente
ganham os pleitos.
O
estatuto do DCE da UESB também foi aprovado em condições semelhantes. Os
membros do DCE recorrem ao estatuto pois ele foi elaborado sob a liderança de
burocratas como eles. Representam muito mais os interesses desta casta do que
os interesses reais do conjunto dos estudantes. Preferem se apegar na letra
morta do que no movimento vivo. Buscam engessá-lo em suas normas. Adestrá-lo
através de artigos rígidos, enquanto o movimento clama por uma dinâmica própria
e flexível, possível de ser ajustada a cada momento. Justamente quando o
movimento dá um salto de qualidade e ganha força, os dirigentes o condenam.
Ridicularizam
os indivíduos mais antigos por fazerem questão de relembrar a história do
movimento estudantil, prevenindo os mais novos dos "chefes" que
buscam tomar o movimento para si. Dizem se tratar de antigas picuinhas, para
descaracterizar qualquer divergência política séria. Raramente enfrentam um
debate político, pois isso insistem em levar para lado pessoal. Porém, se
colocam enquanto uma esquerda avançada e sensata. Dizem lutar pela unidade do
movimento a qualquer custo, enquanto fazem campanha eleitoral para os
governantes do Estado burguês. Enquanto o movimento lançava uma nota de repúdio
contra José Raimundo (PT), os membros do Levante estampavam o 13 em seus perfis
do Facebook. Apareciam em fotos com o candidato repudiado.
Logo,
questionar as instituições dominantes do Estado, tal como o DCE e os
sindicatos, é a primeira coisa que qualquer movimento de massas precisa fazer. Não
é sinal de fragilidade, mas de seu avanço. É um verdadeiro salto de qualidade.
O primeiro obstáculo para afrontar a ordem dominante. Para combater as
estruturas engessadas do DCE, precisam fortalecer as Assembleias, um órgão de
participação direta e autônomo, sem intermediários. Isso o colocará em
confronto direto contra um inimigo muito mais poderoso: o capital e seu Estado.
Para vencê-los, é necessário encarar a seguinte situação: a gênese de toda dominação
em nossa sociedade é a luta de classes, caso deseje combatê-la, precisa tomar
parte no conflito essencial entre o capital e o trabalho.
[1] Para comentários mais gerais
sobre o movimento nacional de ocupações, vale a pena ler a nota publicada pelo
Faísca em 27 de Outubro deste ano, “Ocupações dos estudantes”. Acesse o blog: <http://jornalfaisca.blogspot.com.br/2016/10/ocupacoes-dos-estudantes.html>.