sexta-feira, 30 de junho de 2017

Alguns elementos sobre Emma Goldman e a Revolução Russa*


Em resumo, Emma Goldman era uma anarquista/anarcosindicalista defensora da revolução de outubro de 1917 e uma revolucionária que começou muito cedo a se dar conta da  iminente degeneração da revolução na Rússia. 
- Na infância, imigrante nos EUA proveniente da Rússia, ela começou muito jovem uma atividade intensa e combativa na classe operária. Orientada politicamente para o anarquismo (especialmente por Peter Kropotkin a nível teórico), ela pertencia à fração de anarquistas que decidiram estar presentes no movimento operário. Emma Goldman teve conexões com a fração "terrorista" dos anarquistas, mas muito mais a nível pessoal e emocional, de que a nível teórico e prático. Alexander Berkman, seu amigo mais próximo em toda a vida, estava preso devido a uma tentativa de assassinato de uma figura odiada da burguesia americana (Frick). 
- Além de uma intervenção política intensiva com caráter anarcossindicalista em greves massivas, ela publicou entre outros o jornal "Mãe Terra". Goldman não fazia parte do IWW (Operários Industriais do Mundo), mesmo que tivesse aproximações fortes com ele, bem como com Bill Haywood. Na Rússia, em 1921 quando muito jovem, culpou veementemente Haywood por sua tentativa obsequiosa e oportunista em favor da política dos bolcheviques e quebrou o contato com ele. 
- Goldman foi condenada pela burguesia americana como "a mulher mais perigosa dos EUA". Ela era apresentada, por conta de sua determinação e popularidade dentro da classe operária, algo como a "Rosa Luxemburgo americana ". Ela não tinha a estatura teórica de Rosa, mas ela tratou na "Mãe Terra" de muitas questões sociais. 
- Sua posição internacionalista clara contra a primeira guerra mundial foi a expressão de uma determinação significativa: na luta contra seu pai político, Kropotkin, ela publicou em fevereiro de 1915, com outros anarquistas internacionalistas como Berkman e Malatesta, uma declaração pública contra a guerra e contra a posição de Kropotkin, que aceitou escolher um campo na guerra. 
Emma Goldman escreveu 3 livros essenciais sobre a Revolução Russa: "O declínio da Revolução Russa (1922)""Minha desilusão na Rússia (1923-1924)""Vivendo minha vida (autobiografia) (1931)" no longo capítulo 52, e também artigos em "Mãe Terra" antes de dezembro 1919. 
Sua posição antes da deportação para a Rússia pela polícia norte-americana, em dezembro de 1919, era a defesa aberta do Outubro e dos bolcheviques. Testemunha disso foi o seu artigo "A verdade sobre os bolcheviques (1918)": "A Revolução Russa pode não significa nada para ele (o mujiquenão ser que ela defina o imposto sobre a terra e junte ao destronado czar, seu parceiro, o proprietário da terra destronado, o capitalista. Isso explica o contexto histórico dos bolcheviques, sua justificativa social e econômica. Eles são uma ferramenta poderosa, apenas porque eles representam o povo. Se eles cessarem de fazer isso, eles caírão, como o Governo Provisório e Kerensky tiveram que cair. O povo russo nunca vai estar satisfeitoou os bolcheviques caemenquanto a terra e os meios produção de vida não se tornar a herança dos filhos da Rússia. Pela primeira vez em séculos eles têm a determinação de ser ouvidos e para que suas vozes cheguem ao coração, não das classes governantes pois sabem que estas o tem coração, mas às aspirações dos povos do mundo, incluindo povo dos Estados Unidos. É aí que reside a profunda importância e significado da Revolução Russa simbolizados pelos bolcheviques (...) Os bolcheviques vieram desafiar o mundo. Não pode mais ficar em sua indolência sórdida. Deve aceitar o desafioJá foi aceito na Alemanha, na Áustria e na Romêniana França e Itália, sim, e até mesmo na América. Como súbita luz solar, o bolchevismo está se espalhando sobre o mundo inteiro, iluminando a grande visão - e aquecendo-a - da nova vida da fraternidade humana e do bem-estar social ". 
- Chegando com grande entusiasmo em dezembro de 1919 na Rússia, ela foi calorosamente acolhida, bem-vinda e apreciada por Sorin (próximo a Zinovief). Toda sua experiência na Rússia por 2 anos tornou-uma coisa semelhante à de Anton Ciliga (que escreveu "No país da grande mentira")do entusiasmo ao completo desapontamento. 
- Percebendo que existia uma forte resistência dos Bolcheviques em integrá-los, ela e Berkman, no trabalho para a revolução (como ela queria), ela ficou irritada e sentiu que os imigrantes políticos tinham de certa maneira sido "isolados". A única atividade que ela e Berkman encontraram foi a coleta de material sobre a revolução para um arquivo, ao atravessar a Rússia durante meses, trabalhando como enfermeira muito experientevisto que tinha sido rejeitada pelo Estado/Bolcheviques. 
Seu texto politicamente mais afiado "O declínio da Revolução Russa (1922)" (e também outros textos mais narrativos) têm como principais temas (Não compartilhamos todos, mas achamos que alguns são muito pertinentes): 
  1. As condições pós-guerra são as piores para uma revolução e o isolamento da revolução russa foi um problema básico; 
  1. A rejeição completa de qualquer método que "o objetivo justifica os meios", como aconteceu na Rússia. Essa rejeição se aplica particularmente à justificativa de Trotsky da repressão de KronstadtTrotsky acusou Goldman de "emocional e não científicaa propósito de sua posição sobre Kronstadt. Os esforços de Goldman e Berkman para se deslocar até Kronstadt falharam devido à repressão militar já iniciada. Sobre Kronstadt, pensamos, ela estava muito mais clara do que Victor Serge com quem ela teve contato nos dias de Kronstadt, especialmente sobre a questão do caráter da insurreição.  
  1. Existência de una tendência visível ao pensamento jesuíta por parte dos bolcheviques, de Lênin. Ainda quanto à crítica de "o objetivo justifica os meios", por exemplo, Lênin dizendo "erramos" mas continuando com os mesmos erros. Entretanto, para ela, a lógica do "objetivo justifica os meios" tem mais a ver com o marxismo de que uma má vontade dos bolcheviques. 
  1. A fixação no "inimigo interno" leva a uma subestimação do "inimigo externo". 
  1. A militarização do comunismo destrói o espírito e a atividade das massas. 
  1. A degeneração interna (ela diz "a arte de estado marxista") foi mais decisiva do que os ataques externos porque os últimos fracassaram. 
  1. A violência brutal por requisição de alimentos produziu uma modificação da relação dos camponeses com a revolução. Deixaram de se identificar com ela. 
  1. O tratado de paz de Brest-Litovsk não produziu uma "pausa para poder respirar" para a revolução, mas foi um estrangulamento dela. 
  1. Denúncia extensa do trabalho sangrento da Tcheka que se tornou uma instituição acima do Estado e do Partido. 
  1. Muito boa descrição de como o Estado absorve e destrói a revolução. Isso foi a concretização do que ela pensava do Estado. Ela critica os bolcheviques por serem ingênuos em relação ao perigo do Estado e à integração no estado. Ela também descreve um "desamparo da boa vontade dos bolcheviques confrontados com o Estado". No texto "Revolução Russa e o princípio autoritário", escrito em 1924ela expressa que um Estado é sempre estático e reacionário, Lênin é um acrobata quando quer um Estado centralista. Um período de transição tem que tomar em conta os valores éticos e é uma preliminar às novas condições sociais que queremos.  
  1. Tem simpatia pela oposição em torno de Kollontai e denúncia a política de proibir a Oposição Operária. 
  1. Os sindicatos se tornaram um instrumento do Estado na Rússia. 
  1. Descrição das práticas desprezíveis dos burocratas (subvenções, alimentação, … ) 
  1. Simpatia forte e contato direto com Nestor Makhno. Ela compartilha a posição de Volin (em seu livro “A Revolução Desconhecida) sobre Makno. 
  1. Ela sempre sublinhou que ela defende 100% a Revolução de Outubro, mas não mais a situação existente em 1920-1921. 
Uma caraterística da atitude de Emma Goldman é sua hesitação muito forte sobre a questão: "Será que é justo criticar os bolcheviques enquanto a Rússia é atacada? Será que eu caio na retaguarda da revolução se eu faço críticas?" Ela sofreu muito com este dilema e o descreve de maneira muito honesta em "Vivendo a minha vida".Berkman tanto como Emma Goldmanapoiaram os bolcheviques e permaneceram leais até a ruptura 
- Em 1921 a Tcheka começou a colocá-la sob suspeita e observá-la e por isso quis sair da Rússia. 
- Depois de sair da Rússia no final de 1921, ela veio para Berlim onde foi apoiada por Rudolf Rocker e a FAUD. 
- A qualidade de Goldman é que, ao viver na Rússia, ela sentiu e analisou muito cedo com uma atitude proletária muitos problemas centrais que a Esquerda Comunista defendeu. Goldman também descreve coisas bem concretas e com indignação pessoal. Isso levou a reações arrogantes contra ela, por parte de Trotsky, que chamou Goldman e Berkman de "este povo nobre". O que nos distingue de Goldman é essencialmente o ponto em que ela rejeita o marxismo e que, segundo ela, as fraquezas do marxismo tiveram certa influência nos problemas da Revolução Russa. As conclusões políticas sobre as questões mais centrais em torno da Revolução Russa e sua degeneração são fundamentalmente as mesmas que defendemos. (Esta é a razão pela qual faremos um artigo sobre Goldman e a Revolução Russa). Mais tarde, a sua proximidade da FAI e seu trabalho com esta na Espanha até 1938 (que obviamemente criticamos com força) não são relevantes para avaliar sua posição sobre a Revolução Russa e não reduz o valor de sua análise na Rússia. Em 1940, ela morreu falando em uma reunião política pública nos EUA. 


30/06/2017 
*Anotações de leitura por um militante da CCI – Corrente Comunista Internacional